Desmistificando Algoritmos de Pricing Utilizando Inteligência Artificial e Machine Learning

Artigo elaborado pelos sócios da Quantiz – Fábio Vakuda e Tiago Martin

Inteligência Artificial, Machine Learning e Algoritmos. Com o avanço da tecnologia e do acesso a informações mais robustas, é cada vez mais comum escutarmos esses termos no nosso dia a dia. Muitas vezes podem parecer muito complexos e difíceis de serem compreendidos, mas na realidade podem ser aplicados de uma forma mais simples do que parece.

O objetivo deste artigo é explicar esses principais conceitos, mostrar exemplos reais de aplicações no mundo de Pricing e Revenue Management, benefícios, desafios e cuidados que devem ser considerados na utilização dessas “novas” tecnologias.

Em primeiro lugar, o que significa cada termo?

Algoritmo:

De uma forma simples, trata-se de um processo com várias perguntas e opções de respostas, uma espécie de árvore de decisão, para chegar em uma solução (como se fossem vários “ses” de uma fórmula no Excel), que dividem todas as possibilidades de uma determinada ação, em vários “caminhos” ou opções de respostas em uma programação matemática. Desta forma, quanto mais possibilidades ou cenários existem para atingir um determinado objetivo ou solução, mais complexo (ou com mais caminhos) pode ser esse algoritmo.

A palavra “algoritmo” é bem antiga, desde a Idade Média, devido ao persa Al-Khwarizmi, que desenvolveu o sistema numérico que utilizamos até hoje. Mais recentemente, no século XX, Alan Turing e Alonzo Church, considerados os pais da ciência da computação, formalizaram o conceito e definiram como “um conjunto não ambíguo e ordenado de passos executáveis que definem um processo finito”.

Imagine que você quer decidir o que vai fazer no seu tempo livre em um sábado de manhã. Se fosse possível definirmos algumas possibilidades de programas, um algoritmo poderia funcionar assim:

Figura 1: Processo de decisão utilizado para definir a programação de um sábado

 

Algoritmos também podem ser utilizados considerando as regras de negócio de uma empresa. Por exemplo, de uma forma bem simplista, uma decisão de ajustar o preço com base exclusivamente no Market Share e preços do principal concorrente, poderia ser desenhado conforme figura 2 abaixo:

Figura 2: Processo de decisão conforme regra de negócio baseado em market share e preço do concorrente

 

Inteligência Artificial e Machine Learning:

Inteligência Artificial (IA) refere-se a sistemas ou máquinas que de alguma forma buscam imitar a inteligência humana na tomada de decisões. Machine Learning (ML) é a transformação do processo de decisão em algo automático por meio de máquinas, direcionando as decisões com base no comportamento dos dados e possivelmente melhorando o desempenho conforme o acúmulo dessas informações, sem intervenção humana. Desta forma, pode-se dizer que todo ML é IA, mas nem toda IA é ML. Já os algoritmos, estão contidos tanto dentro de IA quanto de ML.

Figura 3: Machine Learning vs Inteligência Artificial

Para a realidade de Pricing e Revenue Management, esses conceitos podem ser o conjunto de regras para definir a precificação dos produtos e serviços, de acordo com critérios estabelecidos, que otimizam, automatizam e melhoram a precificação com base na estratégia da empresa, comportamento histórico e regras de negócios.

Na jornada de Pricing em relação a IA, ML e Algoritmos, é necessário ter claro onde se quer chegar. Por exemplo, considere que o objetivo de determinada empresa é automatizar todo o processo de ajuste de preços para capturar mais valor e aumentar a margem da companhia. Para isso, é importante garantir que a estratégia da companhia esteja clara. Ou seja, entender questões principais da empresa e de seu produto, como (1) o papel de cada categoria de produto (destino, rotina, conveniência ou ocasional), (2) o objetivo buscado (rentabilidade, participação de mercado, etc.), (3) qual região deve haver maior foco em uma distribuição direta e com maior margem e (4) em qual região é aceitável ter margem menor e fazer uma venda indireta via distribuidor. Além disso, (5) compreender como o cliente valoriza os atributos dos produtos e seu comportamento de compra (cliente fiel, comprador de preço, que busca valor ou de conveniência), entre outras definições estratégicas do negócio.

Identificar quais critérios devem ser levados em consideração para afetar a decisão dos preços vai direcionar como os preços podem ser alterados e qual o direcionamento de rentabilidade é buscado. Combinando isso com a análise de curva de vendas dos produtos (itens com maior giro vs. itens cauda longa) é uma forma de chegar no preço que atende o objetivo buscado em cada categoria e cada produto. Há uma série de outras possibilidades de critérios e são diferentes para cada indústria. Levando em consideração todos esses fatores citados, deve-se definir quais critérios podem ser direcionadores de preços mais altos ou mais baixos.

Outro fator a ser levado em consideração são as regras de negócio para direcionar a gestão de preços de sua empresa. Ou seja, em que circunstâncias os preços deveriam ser reajustados? Quais os gatilhos para revisar os preços dos produtos? Estoque? Aumento/redução de vendas de um determinado produto? Preço dos concorrentes? Perda/ganho de Market Share? Além disso é necessário avaliar quão dinâmico é o segmento em que a empresa está situada, que irá refletir na frequência possível de alterações de preços dos produtos. Ou seja, o mercado permite que os preços sejam alterados várias vezes ao dia, como acontece em muitos produtos no E-commerce, por exemplo? Ou, como em muitas indústrias mais tradicionais, o mercado costumava alterar preços poucas vezes durante o ano? O mundo atualmente passa por um momento de inflação generalizada e como consequência as empresas têm aumentado a frequência de ajuste nos preços, mas além do ajuste pela inflação (repasse de custos), quão frequente é o ajuste de preços? Essa informação é importante para que seja refletida na lógica de alteração de preços.

Figura 4: Definições de Pricing para a criação de algoritmos

 

Caso Prático: Projeto de Pricing e Revenue Management

Nos últimos anos a Quantiz vem desenvolvendo projetos de Pricing e Revenue Management que envolvem essa lógica para melhorar e dar mais agilidade na gestão dos preços das empresas. Para deixar mais tangível, vamos utilizar um exemplo de uma empresa de autopeças que vende para o consumidor final em lojas físicas e, principalmente, para oficinas mecânicas. Esta empresa possui mais de 200.000 produtos e atende mais de 100.000 clientes em centenas de lojas espalhadas pelo país. Neste cenário, o trabalho de gestão de preços é extremamente intenso e desafiador, assim como pode deixar muito dinheiro na mesa caso oportunidades de rentabilização não sejam aproveitadas ou vendas sejam perdidas por preços desposicionados.

Figura 5: Peças de Automóveis

 

Para iniciar o desenho do algoritmo, dividimos os critérios de posicionamento de preços em 3 pilares: Produto, Cliente e Região.

Figura 6: Pilares da Solução (Cliente, Produto e Região)

 

Ajustes Estratégicos: Produto

Para o pilar de Produto foi considerada a frequência de compra, o valor do produto e a sensibilidade a preço (elasticidade). Frequência: os produtos com maior frequência de compra e quantidade vendida eram produtos mais commoditizados e com maior nível de concorrência, logo a precificação era mais agressiva para esses casos, e vice-versa:

Figura 7: Frequência dos Produtos vs Preço/Margem praticada

 

Valor do Produto: produtos com o preço unitário muito alto ou muito baixo também possuíam margens menores e maiores, respectivamente. A ideia por trás desse atributo é que os produtos mais caros são mais pesquisados pelo cliente, ou seja, são produtos que havia a necessidade do preço estar competitivo frente à concorrência. Já os produtos muito baratos, como os produtos que valem centavos de dólar, alguns centavos acima não impactam significativamente na decisão do cliente, portanto esses produtos eram precificados com uma margem maior.

Elasticidade: Os produtos foram divididos em alguns níveis de elasticidade (entre mais elásticos e menos elásticos) de acordo com o resultado da regressão log-log entre preço e volume para cada produto: produtos com menor sensibilidade a preço possuíam um direcionamento para margens mais altas. Notem que foi utilizada uma “ferramenta” de Machine Learning Supervisionado dentro do algoritmo de definição de preços para encontrar o valor da elasticidade (observação: o tema elasticidade merece um artigo separado apenas sobre o assunto: podemos discutir sobre métodos de cálculo de elasticidade, métodos de regressão, tratamento de outliers, etc).

 

Ajustes Estratégicos: Cliente 

Para este pilar, foram considerados tanto o canal quanto o perfil de compra dos clientes

Canal: posicionamento distinto para o consumidor final e demais canais de profissionais, como distribuidores, revendedores e aplicadores. Perfil de Compra: segmentos/clusters de clientes foram criados de acordo com o ticket médio e a frequência. Por exemplo, clientes que compram mais produtos, ticket médio maior e maior frequência de vendas, podem ser considerados clientes fiéis e com descontos diferentes. Já no outro extremo, clientes que comprar poucos itens e com frequência muito baixa, podem ser considerados oportunistas – provavelmente só compram quando não encontram o produto em outro concorrente, para estes buscou-se aplicar um preço maior. A figura 8 mostra um exemplo ilustrativo de uma análise de segmentação de clientes com base em comportamento de 2 critérios, utilizando o método de clusterização K-means: Machine Learning Não Supervisionado (observação: o tema de clusterização também merece um artigo apenas sobre o assunto, existem diversos métodos como, o próprio K-means, Agglomerative Hierarchical Clustering, Fuzzy C-means, etc. Cada método possui vantagens e desvantagens, cabe à equipe avaliar qual método se encaixa melhor com o objetivo da clusterização).

Figura 8: Clusterização de Clientes

 

Olhando atentamente a Figura 8, com base nesses 2 critérios escolhidos, há 4 comportamentos de compra específicos, que podem ser percebidos pelos 4 clusters criados pelo K-means (A: frequência baixa, ticket médio baixo. B: frequência alta, ticket médio baixo. C: frequência baixa, ticket médio alto, D: frequência alta, ticket médio alto). O próximo passo é avaliar se faz sentido ter estratégias e preços distintos para cada cluster.

 

Ajustes Estratégicos: Região  

Países com dimensões continentais muitas vezes possuem cenários bem diferentes de acordo com a região que o cliente está localizado, seja por questões de concorrência regional, tributações diferentes, complexidade logística e até mesmo diferenças culturais. Portanto, a localização do cliente também foi um fator considerado no algoritmo de preços. Nesse projeto o fator da localização foi reflexo principalmente da concorrência ao redor de cada região. As regiões foram classificadas em diversos níveis de competitividade e foi levada em consideração a distância do cliente vs. o principal concorrente (quanto mais longe o concorrente estava e quanto mais perto o cliente estava, maior seria o Pricing Power, já que a agilidade na entrega é um fator importante para a decisão de compra dos clientes).

 

Ajustes Táticos

Todos esses fatores construíram a base para a definição de Preços. Adicionalmente, existia a possibilidade de ajustes nos preços de acordo com o momento da venda (época do ano), estoque do produto (se o nível de estoque daquele produto estava alto ou baixo), além da política de descontos na alçada da equipe comercial, como quantidade e mix vendido, a qual possibilitava diferentes níveis de descontos.

Figura 9: Visão macro da solução

 

Neste caso real demonstrado, o que foi feito na prática foi transformar atividades e decisões que de alguma forma não padronizada já eram feitas no dia a dia, em um processo baseado em algoritmos estruturados, Inteligência Artificial e Machine Learning. Com isso, a qualidade das decisões foi mantida de acordo com o planejado, sem depender de intervenções manuais e, desta forma, reduzindo muito a possibilidade de decisões por erro humano. Além disso, a equipe passa a concentrar a maior parte do tempo em discutir estratégia e direcionamentos do negócio, e não mais em atividades operacionais.

 

Considerações Finais

Com a evolução das tecnologias no mundo, aumento da disponibilidade de informações e concorrência cada vez maior, quanto mais rápidas for a identificação de oportunidades de melhorias para tomada de decisões e eventuais ajustes de negócio, maior será a chance de sucesso, sob o risco de perda de captura de margem e competividade no mercado.

Negócios dinâmicos, com muitos produtos, grande volume de negociações e diversas possibilidades de ajustes de preços não podem ficar dependentes de operações manuais para a gestão de preços, sob o risco de deixar de capturar valor do mercado e, consequente deixar dinheiro sobre a mesa.

Em estruturas que envolvem mais sistematização e maior automatização a intervenção manual é puramente estratégica, e não operacional, avaliando se faz sentido fazer os ajustes sinalizados pelos algoritmos e pela inteligência artificial. Ou seja, simplificamos as inúmeras combinações entre produto, cliente e região sem desconsiderar a estratégia adequada para cada negociação, consequentemente, há maior captura de valor do negócio. Por exemplo, o caso apresentado possibilita que a equipe de Pricing realize a gestão dos preços com mais de 20.000 combinações e cenários possíveis (multiplicação de todas as possibilidades dos pilares) de uma forma organizada e dinâmica: Todos os atributos se tornam alavancas para a equipe de Pricing, que passa a obter maior controle sobre a definição dos preços, além de possibilitar a identificação mais assertiva com os KPIs estruturados para cada pilar e atributo.

A combinação do algoritmo apresentado com técnicas de Machine Learning (exemplos do caso: regressões para o cálculo de elasticidade e k-means para a clusterização de clientes) acompanhado por processos de revisão estruturados garantem a sustentabilidade e perpetuidade da estrutura de Pricing e constante evolução do modelo.

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